IRC E O PAGAMENTO DE TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS
Acórdão de Uniformização de Jurisprudência
Supremo Tribunal Administrativo n.º 1/2021 de 24 de Março de 2021 - Pleno da 2.ª Secção
(Processo n.º 21/20.7BALSB)
A decisão em causa foi objecto de publicação, em Diário da República, no dia 08 de Junho.
A questão colocada à consideração do Supremo Tribunal Administrativo visava aferir se os n.ºs 3 e 9 do artigo 88º do CIRC, ao delimitarem as situações em que há lugar a tributação autónoma, consagram presunções implícitas iuris tantum, suscetíveis de serem ilididas por prova em contrário em conformidade com o artigo 73º da LGT.
A Autoridade Tributária vinha defendendo, em contraposição, que o artigo 88º do Código do IRC constitui uma norma de incidência objectiva de tributação autónoma e não contempla qualquer presunção susceptível de ser ilidida por prova em contrário, com base no carácter empresarial dos gastos que se encontrem cobertos por essa disposição.
O referido artigo 88º do Código do IRC (na redacção aplicável ao período de tributação em ali em causa) dispõe o seguinte:
«3 - São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:
a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a (euro) 25 000;
b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 25 000 e inferior a (euro) 35 000;
c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 35 000.
5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.
6 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com:
a) Viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo; e
b) Viaturas automóveis relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 9, da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.
9 - São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5 %, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam.
14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.
15 - As taxas de tributação autónoma previstas nos n.os 7, 9, 11 e 13, bem como o disposto no número anterior, não são aplicáveis aos sujeitos passivos a que se aplique o regime simplificado de determinação da matéria coletável.
16 - O disposto no presente artigo não é aplicável relativamente às despesas ou encargos de estabelecimento estável situado fora do território português e relativos à atividade exercida por seu intermédio.
17 - No caso de viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in, as taxas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 5 %, 10 % e 17,5 %.
18 - No caso de viaturas ligeiras de passageiros movidas a GPL ou GNV, as taxas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 7,5 %, 15 % e 27,5 %.»
Daquele modo são tributados autonomamente os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos ou motociclos, com exclusão dos veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, bem como as viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes ou destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo, e as viaturas automóveis afectas à utilização pessoal do trabalhador.
Decorre também do n.º 9 que são sujeitos a tributação os encargos relativos à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.
As presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (Cfr. artigo 349º do Código Civil).
Tratando-se de uma presunção legal ela é uma inferência realizada pela lei de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido (Cfr. artigo 350º do Código Civil), distinguindo-se das presunções judiciais que assentam no simples raciocínio de quem julga, com base na experiência ou segundo juízos de probabilidade.
As presunções legais podem, ainda assim, ser ilididas mediante a prova do contrário, ou seja, mediante a prova de que o facto presumido não é verdadeiro (presunções tantum juris), excepto nos casos em que a lei o proibir (presunções juris et de jure).
Para a jurisprudência não se encontra excluída a possibilidade de existirem presunções legais implícitas, como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 753/2014, «As presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, quando são reveladas pelo uso da expressão 'presume-se' ou de expressão de idêntico significado, mas podem também resultar implicitamente do enunciado linguístico da norma, o que sucede quando se considera como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis no pressuposto de que são esses valores que correspondem à realidade, prescindindo-se do apuramento do valor real ou do valor que tiver sido declarado pelo sujeito passivo».
Como se esclareceu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, «a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal». Nesse sentido, como aí se acrescenta, «[a] despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização da despesa».
No caso vertente o Supremo Tribunal Administrativo entendeu que o mecanismo da tributação autónoma resulta da associação do sujeito passivo à realização de certas despesas.
A sujeição a imposto é a consequência jurídica da verificação de um certo facto tributário - a realização da despesa legalmente prevista -, não se descortinando aí uma qualquer condição de aplicação da norma que se prenda com a demonstração, por inferência, de outro facto.
A própria realização da despesa determina a aplicação da norma.
A inexistência de uma qualquer presunção legal relacionada com o carácter empresarial das despesas surge também evidenciada pelo contexto verbal das disposições em causa.
Excluem-se da tributação autónoma certo tipo de veículos de acordo com critérios de política fiscal e estabelecem-se taxas diferenciadas com base em características atinentes ao custo de aquisição dos bens (artigo 88.º, n.º 3, do Código do IRC) e à tipologia dos veículos (artigo 88.º, n.os 17 e 18, cf. Lei n.º 82-D/2014). Também no que concerne aos encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, a que se reporta o n.º 9 do artigo 88.º do Código do IRC, a incidência da tributação autónoma determina-se em função de certos aspectos relacionados com a específica situação tributária que está em causa.
Em suma, segundo esta decisão, as normas de incidência em apreço não assentam na demonstração, por inferência de certos factos presumidos, que possam ser afastados na base de prova em contrário, mas operam objetivamente em face dos elementos da facti species tidos como pressupostos tributários, apenas dependendo da subsunção jurídica dos factos à previsão normativa.
Em conclusão, o Supremo Tribunal Administrativo entende que as disposições legais que estabelecem a tributação autónoma objeto dos n.os 3 e 9 do artigo 88º do CIRC constituem normas de incidência tributária que não consagram qualquer presunção que seja passível de prova em contrário
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