ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 302/2021, DE 13 DE MAIO
O artigo 214º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RD-LPF), consagra que a aplicação de qualquer sanção disciplinar é sempre precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido através da instauração do correspondente procedimento disciplinar, com excepção do processo sumário.
Esta decisão do Tribunal Constitucional considera que aquela norma viola o disposto no n.º 10 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual nos processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa, rigor este que não pode assim ser excepcionado no referido processo sumário.
Por outro lado, esta decisão não julgou inconstitucional a al. f) do artigo 13º do RD-LPF, ao consagrar que o respectivo procedimento disciplinar obedece ao princípio fundamental da presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga e dos autos de flagrante delito lavrados pelos membros da Comissão de Instrutores, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa.
A constitucionalidade desta última norma já havia sido apreciada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 594/2020, de 10 de Novembro, no âmbito do qual se considerou que aquela al. f) do artigo 13º do RD-LPF, ao definir a força probatória dos relatórios dos árbitros e dos delegados da Liga, não determina, por si só, que dos factos contidos nesses documentos se extraiam, por via de presunções inilidíveis, factos desconhecidos cuja veracidade se revele incontestável.
Para o Tribunal Constitucional, a parte final daquele preceito admite que a presunção de veracidade do conteúdo dos documentos em causa apenas vale «enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa» e nessa medida aquela instância judicial entende que o arguido terá, regra geral, a possibilidade de ilidir a presunção, designadamente por prova em contrário, através do exercício dos seus direitos de audiência e de defesa.
Aquele Tribunal já tinha afirmado a esse respeito que «não é a simples previsão de uma presunção legal que comporta a violação do princípio agora em análise [princípio da presunção da inocência]».
Como se afirmou também no Acórdão n.º 135/2009 do Tribunal Constitucional, não se questiona a possibilidade do legislador, mesmo em matéria sancionatória estabelecer presunções.
O que é intolerável para aquela instância judicial é a existência de presunções inilidíveis em contexto sancionatório, quando reportadas à autoria da prática de infracções. Cfr. Acórdão n.º 338/2018, da 3.ª Secção, ponto 16.
De certo modo, poderá efectuar-se um paralelismo entre aquela última parte do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 302/2021, de 13 de Maio (e no teor dos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 594/2020, 135/2009 e 338/2018) e a validade constitucional da fé em juízo, até prova em contrário, do auto de notícia (em processo de contra-ordenação, ou seja, num outro tipo de processo sancionatório). Cfr. artigo 6º do DL n.º 17/91, de 10 de Janeiro: Processamento e julgamento das contravenções e transgressões.
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